sábado, 18 de abril de 2009

Melancolias

I
Mais um dia comum tem início. Giovanna acorda, escova os dentes, toma banho, toma café, e parte para mais um dia de trabalho. Ela é uma psicóloga de prestígio. Até então, sempre trabalhou com pessoas que tinham problemas com relacionamentos. Giovanna é casada com um advogado chamado Maurício. Ele cuidou de um caso muito estranho recentemente. Seu cliente tinha matado uma mulher, mas foi constatado que estava mentalmente perturbado. O cliente foi preso, e iniciará hoje uma série de consultas com Giovanna.
É um dia quente de primavera, daqueles em que pode se esperar um belíssimo pôr-do-sol, daqueles que tingem a cidade com sua bela cor de poluição dourado-avermelhada. O céu está limpo, com um azul profundo. Giovanna chega à prisão onde seu cliente a está esperando. A sessão se inicia.
- Muito bem, seu nome é José Inácio de Souza e você está preso sob a acusação de ter assassinado uma mulher com a qual você nunca teve nenhum tipo de relacionamento, amoroso ou amistoso, portanto uma completa desconhecida. Por que fez isso?
- Não me venhas com ladainhas. Eu já disse o motivo pelo qual eu matei a mulher. Mas tudo bem, eu vou compartilhar contigo. Ela morreu porque é louca. Aliás, você também é louca, assim como todos os seres humanos são loucos. Quem pensam que são os homens para mudar o mundo de acordo com suas vontades? Não deveriam nem ao menos estar aqui. A Terra era um planeta lindo antes de nós chegarmos. Não havia guerra, poluição, violência, amor... Nada disso. Agora o homem chegou e vários animais morreram, vários homens morreram, até mesmo a Terra está morrendo. E é tudo culpa nossa. Eu, por minha vez, tenho a missão de iniciar o extermínio da raça humana. Meu plano era matar o maior número possível de pessoas e depois me suicidar. Assim, entrarei na lista dos que contribuíram para a saúde do meu planeta, assim como Hitler, Saddam, e todos estes homens visionários que contribuíram para tal missão. O ser humano é podre. Amor, carinho, amizade, não passam de invenções humanas que servem como desculpa para os crimes que cometemos. É só isso que tenho a lhe dizer, e esta sessão esta encerrada.Nada mais falarei.
Estarrecida, Giovanna não diz nada. Vai embora. As palavras daquele homem não saem de sua cabeça. Resolve ir a pé para casa. Já é fim de tarde, e como era esperado, um belíssimo pôr-do-sol banha as ruas de dourado. As árvores farfalham, e liberam uma aura linda e agradável. De repente, Giovanna para. O trânsito parece não fazer mais barulho, as pessoas parecem parar de falar, tudo parece parar. O único som que Giovanna ouve agora é uma maravilhosa melodia tocada em uma flauta por um homem. Ele está sentado no chão, com um ar extremamente melancólico. Giovanna para de se perturbar com as palavras do preso, pois percebe que ele está errado. "O mundo continuará valendo a pena enquanto ainda existirem pessoas capazes de criar coisas belas ao invés de destruir. Mesmo que também existam algumas pessoas más são minoria", pensou consigo. Se o homem fosse podre, não amaria, não faria amizades, não produziria sons tão belos como este que Giovanna ouve agora. Giovanna sorri, o homem retribui. Hipnotizada pela melodia, Giovanna senta-se ao lado do homem.
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II
Eram dez da manhã. Pedro chegou correndo ao hospital. Não dormiu bem à noite. Passou-a em claro. Estava preocupado com sua mãe. Eram nove horas quando recebera o telefonema.
- Nossa mãe está morrendo - disse sua irmã ao telefone.
Afobado, Pedro pegou suas bolinhas de gude, carteira, celular, chave do carro, e partiu.Chegou rapidamente ao hospital, perguntou à recepcionista o número do quarto.
- Sessenta e seis - respondeu ela
Enquanto andava, continuava a sentir aquela aura estranha que sentira nos últimos dias. Entrou no quarto e reparou que sua irmã chorava.
- Ela morreu! - disse aos soluços.
Sua irmã saiu para que pudesse ficar alguns momentos só com sua mãe. Olhou para o criado-mudo onde estava uma foto dele e de sua irmã crianças com sua mãe. Ele queria chorar, mas não sabia. Nunca soubera. Ninguém sabia disso, pois sempre dava um jeito de ir ao banheiro, ligar a torneira e, com os dedos, pincelava gotas d'água embaixo dos olhos. Um truque barato, mas que sempre funcionou. Ficou ali até 17h30.
Quando saiu do hospital, as ruas estavam douradas. O pôr-do-sol estava lindo. Pedro passou em casa, deixou todas as suas coisas, e saiu novamente, mas desta vez apenas com a flauta na mão. Sentou-se na calçada e começou a tocar. Enquanto tocava, lembrou-se dos melhores momentos que passara com sua mãe. Talvez por isso a melodia tenha saído tão bela, de modo que nela foram tocadas as suas mais belas lembranças. Pedro notou que uma mulher o observava, sorrindo, hipnotizada. Retribuiu com um sorriso triste, mas de compreensão. Permaneceu um tempo em pé, até que se sentou ao seu lado e nada falou, apenas apreciou a música, sentindo-a penetrar em cada poro de seu já arrepiado corpo.

Um comentário:

  1. Tunis: o Druschi, o Jony, o Muma e eu estamos no http://ventogeral.blogspot.com . Passa lá!

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