sábado, 18 de abril de 2009

Lágrimas De Crocodilo

   Era uma tarde cinzenta de uma sexta-feira, daquelas onde todas as pessoas parecem padecer de uma morbidez e insensatez inquietantes. Luiza completava oito anos. Possuía aquele ar feliz, energia infinita e uma sinceridade sagaz, típicos de uma criança de sua idade. Sinceridade esta que todos já tivemos, mas que num dia qualquer simplesmente deixamos de ter. Em seus olhos, era possível ver, denunciada por um brilho intenso, aquela doce expectativa sobre o que ganharia de presente.
   Enquanto a mãe presentou a filha com mais uma Barbie para a coleção, o  pai lhe deu um aquário com um belíssimo peixe. Sua cor parecia trazer brilho àquele dia. Era de um amarelo intenso, que emanava paz e relaxamento. Luiza o observava atentamente com uma curiosidade gigantesca. Qualquer movimento do peixe já a fascinava. Enquanto o peixe parecia dançar, no ritmo pulsante de seu nado, Luiza o acompanhava embevecida. Resolveu tentar descobrir como um ser vivo conseguia se movimentar daquela forma. Tirou o peixe do aquário e o pôs em cima de mesa. Assim que ele começou a se debater, a menina passou a rir freneticamente. O peixe balançava sem parar, cada vez mais desesperado, estressado. Luiza soltou alta gargalhada. O peixe parecia cansado, reduzindo cada vez o ritmo de sua agitação. Luiza nada fazia – pelo contrário – ainda por cima ria. Quando o peixe parou, Luiza se assustou, como que atingida de supetão por algo inesperado e desconhecido. Será que ele dormia? As feições da garota ficaram com um aspecto rígido e arrepiado.
   A mãe de Luiza estava no hall, folheando distraidamente uma revista de futilidades, quando a filha perguntou com uma voz um tanto esganiçada:
— Mãe, por que o peixe não se mexe?
— Ele está morto, minha filha. – respondeu a mãe olhando rispidamente para aquele pequeno pedaço de vida que acabara de se extinguir.
Percebeu que um princípio de choro surgia no rosto da filha, mas cortou-o instantaneamente temendo que aquilo pudesse aborrecer ainda mais aquele seu já tão aborrecido dia:
— Mas não faz mal, compraremos outro amanhã. — disse enquanto embrulhava o corpo do peixe em um jornal.
   O sol já se punha quando, na sala de estar, Luiza e sua mãe assistiam TV. Estava passando um jornal dos mais sensacionalistas possíveis, para os quais a morte nada mais é do que uma mercadoria. A notícia era a respeito de uma mulher que teve seu filho assassinado e, como é comum nesses casos, queria mais é que aqueles jornalistas fossem ao diabo com suas perguntas estúpidas. Estarrecida, Luiza perguntou à mãe:
— Ela pode ter outro filho amanhã, não pode mãe?
O silêncio, mesmo com a televisão ligada, dominou a sala. Não obtendo resposta Luiza percebeu o silêncio incômodo que pairava no ar. Um semblante de compreensão e dor se fez notar no pequeno e frágil rosto da garota. Tentou-se lembrar do peixe, de sua cor, de sua aparência, mas já não conseguia, pois o confundia com qualquer outro que já havia visto nas fotos dos livros escolares, se esquecendo daquele brilho tão singular. Um pequeno, mas arrasado ruído começou a se projetar em seus lábios, que estavam trêmulos. Seus olhos começaram a marejar, como uma bomba que estivesse prestes a explodir. Chorou.

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